sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Lápis de cor



Vovô fazia desenhos pra gente colorir, desenhava trenzinhos, montanhas, casinhas, passarinhos, contava histórias incríveis também. Aliás as histórias eram bem melhores que os desenhos, só que agora isso não importa, porque o que eu vou contar pra vocês é um episódio de quando ele tava desenhando e a gente pintando, aí meu irmão pediu pra ele pegar o lápis amarelo. Ufa, amarelo é a única cor que ele sabe. Depois pediu para pegar o lápis marrom, minha vó fez assim com a cabeça, como quem aponta qual é o lápis da cor pedida. Chegou a hora do lápis verde, ih piorou! Vovô coçou a cabeça e entregou indeciso o lápis errado.

Meu avô tem uma biblioteca gigante na casa dele, deve ter pra lá de quinze mil exemplares. Isso significa que se ele com oitenta e quatro anos leu tudo isso, pensando que ele começou a ler com seis anos, numa média de cento e noventa e dois livros por ano, que dá pouco mais de dezesseis livros por mês, sendo que quando ele era criança não deveria ler tanto quanto hoje e eu vejo ele lendo mais de um livro por dia, quatro, cinco livros ao mesmo tempo, algo impressionante, que eu diria que o veinho sabe tudo. Vovô é professor, doutor, emérito, poeta, jornalista entre outras coisas, mas se tem uma coisa que ele não entende nada, é cor. É daltônico. E foi nesse dia que o meu irmão no alto da sua esperteza percebendo isso exclamou: Poxa vô, o que adianta estudar tanto se nem cor você sabe?

* Vovô e mima na foto de Gabriel - meu irmão.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

E por se sentir esquisita, inadequada, sem espaço, distante daqueles que amava, num país sem lembranças como uma folha em branco, podia começar de novo outra história, ser quem sempre sonhou, mas percebeu que gostava de ser quem era, com todas as cicatrizes que tinha e suas memórias, estupidez era querer voltar.

domingo, 18 de outubro de 2009

Não sou mais aquela menina, que um dia te amou.
Não, você também não é mais o mesmo. Sei disso.
Chega o dia, e aí que tá a graça, o dia que olhamos pra trás e não nos reconhecemos naquelas atitudes, aquele jeito explosivo, ciumento, infantil. Não, hoje eu sou tão mais leve e serena.
Houve um dia que meus berros se calaram e eu parei de me descabelar por coisa pouca.
É, o que passou ensina. O tempo é valioso e cada segundo somado de experiências vale um enorme sorriso adiante. As lembranças também vão ficando cada vez mais distantes, mais gastas, tudo que doía hoje sequer lateja, aquela ferida aberta a tempos fechou e as cicatrizes ficaram, para que eu me lembre sempre da mulher que me tornei e que me surpreende a cada dia.
Continuo indo ao samba, gostando dos mesmos lugares, perto das mesmas pessoas, ainda gosto de viajar, gosto do mar e de ver as estrelas, a mudança que eu to falando, é por dentro e só eu sei. Estou mais segura, menos impulsiva, mais equilibrada. E sinto orgulho por tudo isso.
De longe, o que parecia felicidade, chego a pensar que nem existiu. Aquelas tantas fotografias, parecem alguma história que me contaram, um filme que eu já vi mas esqueci como termina. É triste viver e esquecer. Mas é preciso reciclar-se, continuar amando, continuar vivendo e celebrando o dia de hoje. Para quem sabe amanhã, começar tudo de novo. Para sempre, agora.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Além

Soubesse escrever, faria poesias
Soubesse cantar, entoaria uma cantiga
Fosse dançar, ciranda seria
No lirismo dos teus versos, arranquei bruta flor

Sou pássaro liberto, tateando estrelas
E há quem insista em catar as migalhas do chão
Por prudência ou medo de voar
Desse mal eu não morro, meu bem

Construo um foguete
Embrulho você pra presente
Te tiro pra dançar
E te mostro além

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Logo cedo

Eu me mostro pra você
Te conto planos e sonhos
Abro janelas e portas
Te deixo entrar sem bater

Tira essa redoma de vidro
Esse seu ar de importante
Não se engane, menino
Deixe de ser petulante

Sem rumo, não faço sentido
Arisca, me assumo, sou bicho
Mil e uma noites, não bastariam
Para desvendar esse enredo

Te conto meus desejos mais íntimos
Meus deslizes e andanças
Minhas tantas mudanças
E continuo encantada...

Logo cedo, pé na estrada!

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Só por hoje

Pular da cama cedinho, varrer a casa ouvindo Gal, arrumar o quarto dançando, abraçar o síndico, cantar bem alto, escrever um bilhete, beijo estalinho, decidir quem lava a louça no cara ou coroa, contrariar o ritmo das coisas, só um pouquinho.
Ver um fusca azul e te encher de porrada, apertar a campainha e sair correndo, espiar sua janela, comer gergelim da toalha da mesa, misturar com a colher que eu já lambi, segurar o elevador com o tapete, passar trote, rir até doer a barriga, fazer pequenas contravenções que nunca serão confessadas e por fim dormir em paz, sorrindo...

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Em um reino muito distante, havia um belo príncipe a procura de sua princesa, mas ele chegara a conclusão de que não se fazem mais princesas como as de antigamente. Elas estão cada vez mais independentes e cheias de auto-estima, pensava. Foi-se o tempo em que elas eram sensíveis, delicadas e submissas. Hoje elas fazem sexo casual, bebem, fumam, torcem no futebol, discutem política e pagam a conta.

Em quanto isso em um reino vizinho, uma linda princesa, delicada e sensível pensava o quão azarada era por não conseguir encontrar o príncipe dos seus sonhos, um rapaz bonito, que a levasse para morar em um castelo incrível, pagasse sua academia, sua manicure, cabelereiro, massagem, lhe desse jóias, presentes e trocasse sua carruagem todo ano. Não sabia o que havia de errado com ela.

Mas a noite prometia, se encontraram no jóquei, trocaram olhares, ela apostando no cavalo branco dele e ele maravilhado com a notável beleza dela. Porém, bastaram cinco minutos para que a princesa notásse o quão pão duro o príncipe era: - Imagina, ele não quis pagar um drink para mim. - reclamou para sua dama de companhia. E o nosso querido príncipe saiu decepcionado por perceber que a linda princesa não passava de uma menininha fútil, sem nada na cabeça além da coroa.

Voltaram ambos para o castelo lamentando a má sorte. Tadinhos.